Carne maturada

A maturação da carne é um processo enzimático natural de amaciamento da carne em condições de temperatura controlada (acima do ponto de congelamento), que inicia após o rigor mortis (rigor cadavérico - estado de extrema contração muscular que atinge seu ponto máximo cerca de 15 horas após o abate) . O tempo de maturação pode variar de 7 a 22 dias após o abate, de acordo com o corte e o resultado pretendido. No Brasil, não se costuma maturar a carne além de 15 dias.

O objetivo da maturação é melhorar o sabor, a suculência, o odor e, sobretudo, a maciez da carne.

Durante o processo a carne deve ser embalada a vácuo, para retardar o crescimento de bactérias aeróbicas putrefativas e favorecer o crescimento das bactérias láticas, que, por sua vez, produzem substâncias antimicrobianas.

As enzimas responsáveis pelo processo de amaciamento são enzimas endógenas, já estão presentes na carne do animal. As principais enzimas são as calpaínas e as catepsinas, capazes de hidrolisar as proteínas miofibrilares.

Já a enzima calpastatina inibe a ação das calpaínas. Animais com altas concentrações desta enzima possuem a carne menos macia, como é o caso dos zebuínos.

Hoje existem exames laboratoriais capazes de detectar a presença dos genes que irão codificar a produção destas enzimas, os marcadores moleculares. Estes exames auxiliam na seleção animal.

O RIISPOA (Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal), só admite que se chame de carne, o produto que tenha passado pelo processo de maturação: “Carne de açougue são as massas musculares MATURADAS e demais tecidos que as acompanham, incluindo ou não a base óssea correspondente, procedentes de animais abatidos sob inspeção veterinária”.

Ou seja, pelo RIISPOA não se considera como carne, o que a maioria da população consome. Porque, convenhamos, o preço da carne maturada, é um tanto quanto “salgadinho”. O que não poderia ser diferente, já que para a produção deste tipo de carne, é necessário que o frigorífico disponibilize câmaras frias durante dias. Isso encarece o processo.

Mas, existem outros conceitos de carne, a um preço mais acessível...

“Carnes = todos os tecidos comestíveis dos animais de açougue, englobando músculos, com ou sem base óssea, gorduras e vísceras, podendo os mesmos ser in natura ou processados” (EMBRAPA).

O mais importante é que a carne fique resfriada por no mínimo 24 horas, para a resolução do rigor mortis.



Abates Religiosos: Shechitah- Abate Ritual Judaico

As leis brasileiras preconizam a insensibilização dos animais antes do abate. Porém, é permitido o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, sem a etapa de insensibilização (o que chamamos de “degola cruenta”), desde que estes animais sejam destinados ao consumo por comunidades religiosas ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendendo aos métodos de contenção dos animais e com cuidados extras para que a sangria cause o mínimo de agonia e sofrimento ao animal.

O ritual de abate Shechitah, é usado para obter carne Kosher para pessoas de fé judaica, é realizado através da degola do pescoço, sem a etapa da insensibilização. Este ritual obedece a uma série de ordenanças com o objetivo de, principalmente, obter uma sangria perfeita, já que a “lei de Moisés” proíbe o consumo de sangue animal.

“... Mas tenha certeza de que não comerás o sangue, porque o sangue é a vida, e não poderás comer a vida com a carne.” (Deuteronômio 12, 23)

Os Produtos Kasher são alimentos preparados de acordo com as leis judaicas de alimentação, denominada de kashrut. As leis do kashrut têm suas regras descritas na Bíblia Sagrada e na Tora.

De acordo com as leis de Noé, dadas logo após o dilúvio, não seria permitido comer membros de animais vivos (Gen 9,4). E de acordo com o Rabino Pinchas Baruch (http://pinchasblinder.blogspot.com/), as leis de abate foram dadas a Móises, oralmente, no monte Sinai.

Dentre os princípios da lei do Kashrut está a proibição de não se comer carne de uma animal morto por outro (Êxodo 22, 31). Não são considerados Kasher a carne suína, o camarão, a lagosta e os frutos de mar (Deuteronômio 14, 3-10). E também não se deve misturar carne e leite:

“Não cozinharás um jovem cabrito no leite se sua mãe.” (Deuteronômio 14, 21)

A princípio, todos podem realizar o abate. Há também quem não aceite o abate realizado por mulheres, podendo abater apenas, para o seu próprio consumo. A Mishná proíbe que o abate seja realizado pelo “Surdo, o tolo e o pequeno”, temendo que estes possam estragar o abate.


O “magarefe”, responsável pelo abate, não é somente um matador de animais para fornecer carne Kasher para os devotos do judaísmo, mas sim um funcionário semi-eclesiástico especializado. Ele sacrifica animais para consumo segundo as leis religiosas. Seu conhecimento dessas leis deve ser profundo, e seu trabalho é controlado minuciosamente pelas autoridades rabínicas.

O objetivo do ritual é proporcionar a eliminação do máximo de sangue possível no sacrifício do animal, sem que este sofra. Isso é obtido pela degola do animal ainda vivo, de forma a conferir uma rápida inconsciência e insensibilidade. A degola é feita pelo corte das artérias carótidas e veias jugulares, sem, no entanto, atingir as vértebras cervicais. A faca utilizada no ritual, chamada de chalaf, apresenta quase meio metro de comprimento e deve estar sempre afiada, sendo examinada após cada execução.


Num a degola executada com um golpe rápido, 95% dos animais atingem a inconsciência num intervalo máximo de dois segundos, não causando dor ao animal, sendo este, reconhecidamente, um dos métodos mais humanos de abate.

A contenção dos animais para realização da degola é de especial preocupação. Por razões humanitárias e de segurança, os frigoríficos que executam esse tipo de abate devem instalar equipamentos modernos de contenção, eliminando a prática de suspender os animais ainda vivos para realização da degola.

Após a sangria o ritual continua, sendo os órgãos examinados pelo schochet (magarefe) para verificação de doenças. Os pulmões são inflados para verificação de aderências.

Segundo Nathan Ausubel, muitos países proibiram a prática da shechitah, sob alegação de que constituía uma ato de “crueldade para os animais”. O objetivo dos anti-semitas era o de apelar para os sentimentos humanitários daqueles que gostam de animais e que não estão familiarizados com os métodos da shechitah. A prática de matança ritual judaica intrigou a muitos fisiólogos, biólogos, cirurgiões e dietistas do século XIX. Após muitos estudos, esses cientistas puderam concluir que a shechitah não somente não era cruel, como era o método mais humano e indolor de se sacrificar animais, superior aos métodos não judaicos, como anestesia, eletrocução e golpe. E, além disso, também seria recomendada pelo ponto de vista higiênico, pois a drenagem completa do sangue fazia com que a carne pudesse ser conservada fresca por mais tempo.


Fontes consultadas:

Bíblia sagrada

Coleção Judaica. Conhecimento Judaico II. Nathan Ausubel.

Introdução ao abate ritual judaico – Shechitá. Disponível em: http://pinchasblinder.blogspot.com

GOMIDE, L.A.M.; RAMOS, E.M. & FONTES, P.R. Tecnologia de Abates e tipificação de carcaças. Viçosa. Editora UFV, 2006. 370p